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segunda-feira, 19 de julho de 2010

TJRJ: Sentença de adoção homoafetiva





Processo nº:

2009.202.020729-8

Tipo do Movimento:

Sentença

Descrição:

Vistos, etc... Trata-se de um requerimento de Adoção, formulado por C.A.M.O e A.L.S. em face de C. S.P.e A.S. com relação as infantes V.S.P.J.S e V.S.P. alegando que as crianças encontravam-se abrigadas no Lar Fabiano de Cristo. Inicial de fls. 02/08 instruída com os documentos de fls.09/23 Parecer do MP às fls. 24/35, pelo deferimento de visitação ao casal. Decisão às 42v, deferindo a visitação. Relatório psicossocial da instituição de acolhimento às fls. 46/47, opinando pela guarda provisória, eis que as crianças estão vinculadas ao casal e desejam ser perfilhadas pelos mesmos. Guarda provisória deferida às fls. 49. Estudo psicológico às fls. 84, opinando favoravelmente ao pedido. Estudo social às fls. 93/98, destacando que os requerentes têm bom relacionamento com os adotantes dos demais irmãos, mantendo-se assim os vínculos de fraternidade de forma harmoniosa entre todos. É, em síntese, o relatório. Decido. A perda do poder familiar já foi decretada no processo nº 2008.202.026319-6, tendo a sentença transitada em julgado conforme decisão proferida pela Décima Sexta Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em julgamento de apelação que manteve a sentença proferida em 1º grau. As exigências legais foram atendidas, tendo o processo regular tramitação, decorrendo-se 8 meses de estágio de convivência. Verifica-se ainda que os requerentes são habilitados e o estudo psicológico e social são totalmente favoráveis. A presente ação versa sobre adoção por casal homoafetivo, questão extremamente recente e sem maiores precedentes, devendo ser destacado que o art. 1622 do CC não veda a adoção por casal homossexual, ao contrario, permite expressamente a adoção nesse caso ao afirmá-la possível por duas pessoas que mantém união estável, como é o caso dos requerentes acima mencionados. A nova Lei de adoção, qual seja, a Lei 12010/09, em seu artigo 42, menciona o seguinte: ´Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. § 2º - Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.´ Pela leitura do dispositivo acima, pode-se inferir que em nenhum momento ficou especificado que seria a união estável entre homem e mulher, que asseguraria o direito a adoção conjunta. Diante deste fato, para que seja reconhecida a união estável como entidade familiar, faz-se necessário que estejam presentes as características da estabilidade (durabilidade e continuidade), a publicidade e a afetividade com o intuito de constituir uma família. Na verdade tanto no que se refere ao casamento como a união estável do artigo 226 parágrafo 3º da Lei Maior, que reconhece e protege a união entre o homem e a mulher como entidade familiar, há uma clara reafirmação da diversidade de sexos para o legislador. Entretanto, o mencionado art. 226, em nenhum momento, excluiu expressamente a união homoafetiva como entidade familiar, mas tão somente não a destacou. Portanto, os dispositivos legais e constitucionais dispõem que reconhecem como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher e não que a união estável é a entidade familiar composta entre o homem e a mulher, devendo-se a interpretação ser feita com base nos princípios fundamentais da pessoa humana, O ilustre Gustavo Tepedino em seu livro ´A Disciplina Civil-Constitucional das Relações Familiares´, menciona que o centro da tutela constitucional deslocou-se do casamento para as relações familiares, que não se esgotam no casamento, de forma que a proteção da instituição familiar, como centro de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, passou a ser vista como um núcleo de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da dignidade de seus membros. O conceito tradicional de família se modificou e não se restringe mais ao casamento de pessoas do sexo oposto, devendo se salientar que a jurisprudência tem reconhecido usualmente a união estável de casal homoafetivo para efeitos sucessórios e previdenciários, devendo ser trazido à colação o brilhante acórdão do TJRS da Des. Maria Berenice: ´Apelação Cível. União Homoafetiva. Reconhecimento. Principio da Dignidade da Pessoa Humana e da Igualdade. È de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois homens de forma publica e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o Judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. É, antes disso, é afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade´ ( AC nº 70012836755 da 7ª Câmara Cível, julgamento em 21/12/2005) Da mesma opinião, a psicanalista e antopóloga Elisabeth Zambrano, em matéria divulgada pelo Diário de Justiça em 10 de dezembro de 2004: ´..A família é uma construção social e por isso acompanha os movimentos sociais, inserindo hoje em suas novas configurações, a homparentalidade. ... As principais entidades americanas de psiquiatra e pediatria apontam, baseadas em pesquisas, que não existe um impedimento para adoção de crianças por homossexuais do ponto de vista do desenvolvimento...´ Observa-se que os requerentes manifestaram o desejo de adotar uma criança ao se habilitarem em processo regular, destacando-se do estudo social realizado o seguinte: ...´Os requerentes demonstram ter amadurecido o projeto de adoção com as experiências vivenciadas em suas vidas e têm possibilidade de prestar à criança assistência material, moral e afetiva e oferecer um ambiente familiar propício ao seu desenvolvimento. Apresentam neste momento convicção e disponibilidade afetiva e estão cientes da responsabilidade do exercício da paternidade decorrente da adoção. Informam estar orientados e esclarecidos quanto às implicações legais referentes à medida pleiteada. Desta forma, não identificam nenhum quesito sócio econômico ou afetivo que possa inviabilizar a habilitação para adoção dos requerentes.´ Deve-se levar em conta ainda, que a adoção não persegue os canais da natureza, pois o vinculo de parentesco por ela criado é puramente jurídico e não consangüíneo, tanto assim que admite adoção por somente uma pessoa, enquanto que na concepção, excluída a clonagem, depende da participação do homem e da mulher. Na verdade, o ponto crucial a ser considerado não é o da homossexualidade, mas sim as reais condições psicológicas, afetivas, matériais daqueles que pretendem a adoção, devendo ser consideradas em primeira mão, as condições nas quais permanecerão os adotando. Cabe lembrar que a adoção é um instituto com forte caráter de ficção jurídica, pelo qual se cria um vinculo parental que não corresponde a realidade biológica, sendo que ao decidir sobre uma possível adoção, o Juiz deve levar em conta as reais vantagens para a criança que poderão advir da adoção, que deverá se fundar em motivos legítimos decidindo sempre pelo bem-estar da criança. O estudo psicológico de fls.84/92 revela que os requerentes são pessoas dedicadas às crianças, revelando afeto no trato com as infantes, agindo como pais no cuidado com a prole e como diz Leonardo Boff ´os mitos antigos e pensadores contemporâneos dos mais profundos nos ensinam que a essência humana não se encontra tanto na verdade, o suporte real de criatividade, da liberdade e da inteligência. No cuidado se encontra o ethos fundamental do humano. Quer dizer, no cuidado, identificamos os princípios, os valores e as atitudes que fazem da vida um bem-viver e das ações um reto de agir´. Ora, a configuração familiar dos requerentes, não é empecilho para que este cuidado seja prestado às infantes e para que esta cresça em um lar harmônico e saudável, dando provas no estagio probatório de que o cuidado foi prestado com louvor. Por fim, cumpre ainda destacar julgado da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em apelação 700138015902, onde consta como presidente a Desembargadora Maria Berenice Dias, referente a adoção por casal formado por duas pessoas de mesmo sexo conforme mencionado abaixo: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. Os julgados, portanto se baseiam no pressuposto de que o tratamento que deve ser dispensado à união entre pessoas do mesmo sexo que convivem de modo durável com o objetivo de constituir família, deve ser o mesmo dado em nossa legislação constitucional e infraconstitucional às uniões estáveis, tendo também as duas entidades familiares os mesmos direitos quanto a adotar filhos em conjunto. A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em recente julgamento de Resp. 889.852-RS se manifestou sobre a possibilidade de adoção de crianças por pessoas que mantém união homoafetiva, conforme publicado no informativo nº 0432, da seguinte forma: MENORES. ADOÇÃO. UNIÃO HOMOAFETIVA. Cuida-se da possibilidade de pessoa que mantém união homoafetiva adotar duas crianças (irmãos biológicos) já perfilhadas por sua companheira. É certo que o art. 1º da Lei n. 12.010/2009 e o art. 43 do ECA deixam claro que todas as crianças e adolescentes têm a garantia do direito à convivência familiar e que a adoção fundada em motivos legítimos pode ser deferida somente quando presentes reais vantagens a eles. Anote-se, então, ser imprescindível, na adoção, a prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque se discute o próprio direito de filiação, com consequências que se estendem por toda a vida. Decorre daí que, também no campo da adoção na união homoafetiva, a qual, como realidade fenomênica, o Judiciário não pode desprezar, há que se verificar qual a melhor solução a privilegiar a proteção aos direitos da criança. Frise-se inexistir aqui expressa previsão legal a permitir também a inclusão, como adotante, do nome da companheira de igual sexo nos registros de nascimento das crianças, o que já é aceito em vários países, tais como a Inglaterra, País de Gales, Países Baixos, e em algumas províncias da Espanha, lacuna que não se mostra como óbice à proteção proporcionada pelo Estado aos direitos dos infantes. Contudo, estudos científicos de respeitadas instituições (a Academia Americana de Pediatria e as universidades de Virgínia e Valência) apontam não haver qualquer inconveniente na adoção por companheiros em união homoafetiva, pois o que realmente importa é a qualidade do vínculo e do afeto presente no meio familiar que ligam as crianças a seus cuidadores. Na específica hipótese, há consistente relatório social lavrado por assistente social favorável à adoção e conclusivo da estabilidade da família, pois é incontroverso existirem fortes vínculos afetivos entre a requerente e as crianças. Assim, impõe-se deferir a adoção lastreada nos estudos científicos que afastam a possibilidade de prejuízo de qualquer natureza às crianças, visto que criadas com amor, quanto mais se verificado cuidar de situação fática consolidada, de dupla maternidade desde os nascimentos, e se ambas as companheiras são responsáveis pela criação e educação dos menores, a elas competindo, solidariamente, a responsabilidade. Mediante o deferimento da adoção, ficam consolidados os direitos relativos a alimentos, sucessão, convívio com a requerente em caso de separação ou falecimento da companheira e a inclusão dos menores em convênios de saúde, no ensino básico e superior, em razão da qualificação da requerente, professora universitária. Frise-se, por último, que, segundo estatística do CNJ, ao consultar-se o Cadastro Nacional de Adoção, poucos são os casos de perfiliação de dois irmãos biológicos, pois há preferência por adotar apenas uma criança. Assim, por qualquer ângulo que se analise a questão, chega-se à conclusão de que, na hipótese, a adoção proporciona mais do que vantagens aos menores (art. 43 do ECA) e seu indeferimento resultaria verdadeiro prejuízo a eles. REsp 889.852-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/4/2010. Assim, a ética do cuidado deve sempre completar a ética da justiça, pois tal como defendido por Rodrigo da Cunha Pereira, ´o moralista prefere sempre a formalidade e a lei em sua literalidade, enquanto o ético, a essência do Direito, e, por isso, buscará sempre nos princípios a fundamentação para a mais justa adequação´. A formalidade da lei pode não atender, de maneira expressa, as necessidades de cuidado de Vanessa e Valeska, mas cabe ao magistrado, com base no ético e no justo, adequar o Direito a realidade social e aos princípios e valores fundamentais do homem. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido e DEFIRO aos requerentes C.A.M.O e A.L.S. a adoção das criança V.S.P.J de parentesco independente do fato natural da procriação. Determino que após o trânsito em julgado sejam expedidos os atos necessários para: 1 - O cancelamento nos assentos de nascimento da menor no registro civil competente, arquivando-se o mandado, advertindo o Sr. Oficial de Registro que nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões de registro. 2 - Sejam os menores registrados com os nomes de V.M.O.S.S e V.M.O.S.S. Possível duvida pode pairar sobre a realização do assento de nascimento. No caso, deverá constar que os adotandos são filhos de C.A.M.O e A.L.S, sem mencionar as palavras pai e mãe e, da mesma forma, em relação aos avós também não explicitará a condição materna ou paterna. Sem custas, nos termos do art. 141, par. 2º do E.C.A. Cumpridas as formalidades legais, procedam-se às necessárias diligências e demais providências de estilo. P.R.I. Após o transito em julgado, Arquive-se.

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